Há ditados populares que atravessam séculos porque, além de engenhosos, descrevem com precisão a repetição de padrões que insistem em sobreviver ao tempo. Entre eles, destaca-se o conhecido “tudo como dantes na terra de Abrantes”, expressão que surgiu em Portugal, muito provavelmente durante as invasões francesas do início do século XIX, quando — apesar da guerra, da fuga da família real e das convulsões políticas — a cidade de Abrantes seguia aparentemente intacta, como se nada houvesse acontecendo.
O dito passou a simbolizar, desde então, a permanência das mesmas estruturas, das mesmas condutas, das mesmas práticas, mesmo quando o contexto deveria exigir transformações profundas.
Infelizmente, ao observar o cenário político recente de Fartura, a sensação é de que o tempo histórico se fechou sobre si mesmo: administrações mudam, partidos alternam posições e narrativas se invertem, mas os comportamentos se repetem quase como uma fatalidade. É como se a cidade estivesse presa a um ciclo, onde cada novo governo promete renovação, mas se afundam nos mesmos erros.
1. A gestão passada: turbulências, escândalos e guerra entre dois lados.
A administração municipal anterior foi marcada por uma sucessão de episódios que abalaram a normalidade institucional. Vieram à tona:
- escândalos de ordem pessoal envolvendo figuras centrais da gestão e do Legislativo;
- o conhecido episódio dos pneus, que gerou repercussões políticas e administrativas;
- a exposição pública de agressões verbais nas redes sociais, como o lamentável caso dos xingamentos dirigidos à ex-companheira do prefeito, com termos absolutamente incompatíveis com a dignidade do cargo;
- relatos de perseguição a funcionários, minando a saúde administrativa;
- o episódio extremo do presidente da Câmara apontando arma de fogo para o prefeito, fato que, por si só, já descreve a degradação institucional daquele período;
- conflitos pessoais envolvendo vereadores, com casos que misturavam vida privada, disputas políticas e relações interpessoais conturbadas;
- e, por fim, o ambiente de guerra permanente, no qual a oposição buscava cassar o prefeito e a situação cassar o vereador envolvido, criando um clima de instabilidade contínua.
Quando as urnas se fecharam, mesmo tendo três candidatos, a polarização mais uma vez se evidenciou. A oposição vence e se tem uma nova gestão; assumiu, esperava-se — legitimamente — que a alternância de poder abrisse espaço para uma ruptura: novos métodos, novos valores, nova postura.
Mas não foi o que se viu.
2. A nova gestão: mudanças de lado, permanência de métodos
Com o início da atual administração, que prometia renovação de métodos, de postura, que realizaria uma administração voltada ao futuro e modernidade administrativa; sucumbiu, fraquejou e algo previsível, mas ainda assim decepcionante, ocorreu: quem estava na situação virou oposição; quem era oposição transformou-se em situação.
E, junto dessa inversão de cadeiras, assistiu-se também a uma inversão de discursos: aquilo que antes era criticado passou a ser tolerado; aquilo que antes era intolerável passou a ser relativizado.
Logo nos primeiros meses, vieram à tona:
- o escândalo da licitação envolvendo a empresa Tucunaré, que gerou repercussão e divisão entre os vereadores;
- um secretário indicado pelo PT envolvido em irregularidades relacionadas à venda de sucatas, trazendo novo desgaste;
- o vereador que fazia oposição, mas passou a defender o prefeito no caso Tucunaré e o PT no caso das sucatas, em seguida ele próprio envolvido em denúncia de furto de grama, tem pedido de cassação, mas é absolvido pelos opositores e condenado pelos companheiros.
- vereador na CPI da Tucunaré, é acusado de ameaçar testemunhas, votando depois a favor do opositor no caso das gramas, evidenciando não princípios, mas conveniências;
- e o padrão mais preocupante: aqueles que antes não cassavam, agora querem cassar; aqueles que antes queriam cassar, agora passam pano.
E o enredo, que deveria ser novo, repete-se como déjà vu. O que muda é apenas o lado da mesa. Nunca foi o povo, sempre foi o poder! A lógica de poder, sempre pronta para acusar, defender, blindar ou atacar conforme a conveniência do momento. Não existe coerência, principio, valores, só conveniências.
3. E o resultado para Fartura? “Tudo como dantes…”
Enquanto isso, Fartura segue parada, presa a disputas pessoais que nada têm a ver com planejamento, desenvolvimento ou políticas públicas de longo prazo.
Cadê os remédios, cadê as farmácias, cadê o lajotamento, cadê a ponte, cadê a balsa, cadê a auditoria, cadê que não ia alugar mais prédios, A saúde, a educação, a infraestrutura, o turismo, o incentivo econômico, a gestão fiscal — tudo isso fica em segundo plano, eclipsado por escândalos, vinganças políticas, trocas de favores e pactos circunstanciais. São quase mil pessoas que não tem casa, e cadê!
Cadê o povo!!!! Cadê fartura para Fartura!!!! Não existe povo, só existe favores pessoais, interesses pessoais, promessas pessoais.
Assim, o ditado antigo torna-se um espelho atual: Tudo como dantes na terra de Abrantes. Tudo como sempre em Fartura. O povo troca, mas não muda.
A população observa, desanimada, que a alternância de poder, por si só, não gera mudança. O que muda é a narrativa, não o método. O que muda é o discurso, não a ética administrativa. O que muda é o alvo das críticas, não a postura dos atores. O povo troca, mas não reage!
E, assim, mantém-se o ciclo de instabilidade, escândalos, acusações recíprocas e ausências de projetos estruturantes — deixando o município refém de um jogo político que pouco acrescenta à sua trajetória de desenvolvimento. Fartura padece,
4. Conclusão: a necessidade de romper o ciclo
Fartura não precisa de salvadores nem de demolidores: precisa de gestores, de ações concretas, de planejamento técnico, de controle institucional, de ética pública e de compromisso real com o desenvolvimento local.
Não se trata de troca de lado, não se trata de mudar de grupo, pois ambos já se mostram que tem a mesma pratica. Trata-se de reagir de verdade com uma nova postura, uma nova visão.
Num município pequeno, cada decisão administrativa, cada licitação, cada escolha de secretário, cada postura de vereador impacta diretamente a vida das famílias, o comércio, o emprego, a agricultura e o futuro da cidade.
Enquanto o eleitor vota em seu próprio interesse e não no interesse da cidade, a cidade vai padecer, e não será suficiente para suportar os interesses pessoais, pois a solução é o coletivo. Temos que colocar agentes públicos que compreendam que o mandato é instrumento de serviço, não de conveniência, e se assim continuar permaneceremos vivendo sob a sombra de um ditado que atravessou séculos justamente por retratar contextos como esses:
“Tudo como dantes na terra de Abrantes.”
Lauro Rogerio Dognani – Advogado
CPF 130831148-69

