Protocolos gratuitos e seguros permitem que pacientes sem plano de saúde tenham acesso ao que há de mais avançado no tratamento do câncer, desmistificando a ideia de que pesquisa clínica é sinônimo de risco.


A costureira Jocy Silva, 41, enfrentava um câncer de mama com metástase pulmonar quando recebeu a proposta de integrar um estudo clínico com uma nova droga conjugada – combinação de quimioterapia com terapia-alvo. Sem custos, aceitou. Três anos depois, os nódulos praticamente desapareceram. “Se tivessem dito ‘pesquisa clínica’ logo no início, talvez eu recusasse. Achava que seria cobaia. Mas foi a melhor oportunidade da minha vida”, conta.
Também em tratamento experimental está a professora Francisca Iraci, 52. Diagnosticada com câncer de mama em 2011, viu a doença retornar nos ossos dois anos depois. Foi então convidada a testar uma combinação inovadora de trastuzumabe e pertuzumab, ainda não aprovada no país. “Na época, me deram um ano de vida. Já se passaram 14. Vivo bem, danço forró por horas, viajo, aproveito a vida”, relata.
Seu médico, Felipe Cruz, oncologista do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, lembra que, ao iniciar o protocolo, Francisca sentia dores intensas e havia perdido peso. Hoje, leva uma vida ativa e com qualidade. A droga usada por ela foi aprovada no Brasil dois anos depois e incorporada ao SUS apenas em 2019 – ainda de forma bastante limitada.
Nos grandes centros de referência, pesquisas clínicas seguem rígidos protocolos éticos e são fiscalizadas por comitês independentes. São a principal via de acesso à inovação para pacientes sem plano de saúde.
O que é uma pesquisa clínica?
É um estudo científico que avalia novas formas de tratar doenças, seja por meio de medicamentos inéditos, combinações de terapias já existentes ou tecnologias como imunoterapia e terapia celular. Antes de serem aprovadas, as drogas passam por várias fases:
- Fase 1: testa a dose mais segura, com poucos pacientes;
- Fase 2: avalia a eficácia e efeitos colaterais;
- Fase 3: compara o novo tratamento com o padrão atual, envolvendo centenas de pessoas;
- Fase 4: ocorre após aprovação, com uso em larga escala.
Segundo o oncologista Angelo Brito, do A.C.Camargo Cancer Center, todo tratamento disponível hoje já foi, um dia, uma pesquisa clínica. “A diferença é que agora os resultados são conhecidos.”
Estudos são éticos e controlados
A maioria é randomizada e duplo-cega: os participantes são sorteados para receber o tratamento padrão ou o padrão associado à nova droga – sem que médicos ou pacientes saibam a qual grupo pertencem, evitando interferência nos resultados. Se houver benefício evidente, os demais podem ser migrados para o novo tratamento.
“Quem entra no estudo nunca recebe menos do que o melhor tratamento disponível”, explica Luiz Fernando Lima Reis, diretor do Hospital Sírio-Libanês.
Quem paga pelos estudos?
Todo o tratamento – exames, consultas, medicamentos, transporte e até hospedagem – é bancado pelo patrocinador, geralmente uma farmacêutica ou organização internacional. A legislação brasileira proíbe qualquer custo, direto ou indireto, ao paciente. Em muitos casos, há ajuda de custo para alimentação e deslocamento.
Nova lei facilita acesso
Em 2023, a Lei das Pesquisas Clínicas trouxe avanços importantes, como prazos mais curtos para aprovação de protocolos, segurança jurídica aos centros de pesquisa e regras claras para fornecimento de medicamentos após o estudo. Isso estimula o crescimento de pesquisas no país, que hoje participa de menos de 5% dos estudos clínicos globais.
Benefícios para o SUS
Ao participar de estudos clínicos, pacientes do SUS têm acesso a terapias que ainda não estão disponíveis na rede pública. Isso representa economia para o sistema e garante tratamento de ponta com custo zero para o paciente.
Além disso, hospitais que realizam pesquisas tendem a apresentar melhores resultados clínicos e mais rigor assistencial.
Nem sempre há cura, mas há esperança
A morte da cantora Preta Gil, que participou de um estudo clínico nos EUA, gerou debates sobre o tema. Especialistas reforçam que o insucesso de um tratamento não invalida a pesquisa.
“Ela não morreu por estar no estudo, mas por causa da agressividade do câncer. O protocolo era a melhor opção naquele momento”, diz Juliana.
Para Jocy e Francisca, a experiência foi transformadora. “O tratamento me deu qualidade de vida e me mostrou que câncer não é mais uma sentença de morte”, diz Jocy.
FONTE G1