Jornal Sudoeste Paulista

Cerqueirense tem matrícula cancelada na USP por ser pardo

O jovem estudante Alison dos Santos Rodrigues, 18, de Cerqueira César, teve a sua matrícula em medicina cancelada na Universidade de São Paulo (USP) após uma comissão rejeitar sua auto declaração como pardo. Ele descobriu o fato na segunda-feira, 26, ao chegar para seu primeiro dia de aula, ao saber que a Banca de Heteroidentificação não o considerou pardo.

O caso foi notícia no jornal Folha de S. Paulo, repercutido pela Fórum e g1, além de outros veículos de imprensa de alcance nacional. O rapaz foi aprovado no vestibular de medicina, o curso mais concorrido da universidade, com a reserva de vagas para candidatos egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (Pretos, Pardos e Indígenas).

A USP conta com uma Banca de Heteroidentificação desde junho de 2022. O sistema foi usado pela primeira vez no ano passado com o objetivo de coibir fraudes na política de cotas, entretanto, Alison foi aprovado na primeira chamada pelo Provão Paulista, o vestibular criado no ano passado para alunos da rede pública no governo Tarcísio de Freitas. Ele foi o primeiro da família a ser aprovado em uma universidade pública e também o primeiro de sua escola a passar em medicina.

Ao g1, Alison explica que sempre se autodeclarou pessoa parda. “Tive o desprazer de saber da notícia que eu não fui aprovado, mesmo me identificando formalmente como pardo. E tudo aquilo que aconteceu me deixou sem chão, parece que o mundo acabou porque foi algo muito difícil de conquistar.”

Para não perder a oportunidade de estudar a profissão dos sonhos, ele e a família entraram com recursos para conseguir a rematrícula. Ainda, quando foi aprovado, os professores da sua escola colocaram um outdoor na entrada da cidade para comemorar. Após sua aprovação, ele fez a pré-matrícula virtual, mas, por ser cotista, ainda precisava comprovar sua condição.

Quando fez a matrícula, ele enviou duas fotos e os documentos que comprovam ter estudado em escola pública. Um e-mail de resposta o avisou que a comissão “não logrou confirmar sua auto declaração de raça/cor” e foi convocado a participar de uma reunião virtual para outra avaliação, que, segundo ele, durou pouco mais de um minuto. Não foi feita nenhuma pergunta ao jovem e ele teve apenas que ler sua auto declaração. No dia seguinte, soube que havia sido rejeitado novamente.

“A gente (família) entrou na Justiça e vamos conseguir, pela Defensoria Pública. E eu vou estar lá, como pardo, porque é isso que eu sou, disse Alison.” Segundo a advogada do jovem, Giulliane Jovitta Basseto Fittipald, nomeada pelo convênio mantido entre a Defensoria Pública do Estado de São Paulo com a Seccional de Cerqueira César da OAB/SP, um processo de tutela antecipada antecedente foi iniciado. A medida é uma alternativa processual que permite às partes buscarem medidas provisórias de forma rápida para obter uma resposta a questões urgentes.

“Optei por essa medida por ser uma modalidade processual que oferece uma via mais ágil e eficiente para o interessado, garantindo a proteção de direitos e minimizando os prejuízos decorrentes de demora na resolução. Creio que os documentos que juntamos no feito demonstram bem os requisitos e, por isso, estamos esperançosos no deferimento da medida”, disse Giulliane.

O QUE DIZ A FACULDADE?

A instituição declarou que a análise das fotografias é feita através de duas bancas de cinco pessoas e é baseada somente em fatores fenotípicos: a cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos. Caso a foto do candidato não for aprovada na primeira avaliação, ela é direcionada automaticamente para a outra banca.

Nenhuma banca sabe se a foto está sendo analisada pela primeira ou segunda vez, o que garante uma dupla análise cega das fotografias. Ao final do processo, se duas bancas não aprovarem a foto por maioria simples, o candidato é automaticamente chamado para uma oitiva presencial (…)

“Em relação ao caso específico do estudante Alison dos Santos Rodrigues, a deliberação final se deu na última sexta-feira, dia 23 de fevereiro, e foi enviada no dia subsequente. Importante frisar que todos os candidatos que estavam com recursos sendo analisados sabiam que a matrícula estava condicionada ao resultado das bancas de heteroidentificação. O que o estudante tinha era uma pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”, citou um porta-voz da instituição.